quinta-feira, 19 de maio de 2022

“Ai Nice you, dale”

Março de 2021 e dentre as milhares de vítimas que tiveram as vidas ceifadas pela pandemia no Brasil, lamentavelmente perdemos precocemente o cantor gospel “Irmão Lázaro”. A sua fase musical religiosa eu pouco acompanhei, mas, ouvi dizer que ele era muito bom, já que sempre foi um artista muito talentoso. Com o político “Irmão Lázaro” eu acabei decepcionado, sobretudo, por seus discursos reacionários e mais recentemente, alinhados “a par e passo” com o bolsonarismo. 
 
Já o músico “Lázaro Negrumy”, seu nome artístico de quando era cantor do Olodum, eu adorava e tenho maravilhosas recordações, principalmente uma envolvendo a música “I Miss Her”, seu maior sucesso e minha saudosa mãe, dona Nicinha, que era sua fã.
 
Idos do ano de 1997 e a batida frenética do Olodum dominava as rádios do Brasil, desta vez, diferentemente de pérolas como “Requebra”, “Rosa” ou “Avisa lá”, o sucesso estourado made in Bahia era em inglês, despertando no povo – à época, ainda maciçamente sem acesso à internet – a curiosidade sobre “o que significavam aqueles versos”:
 
“Oh, Lord
I'd like to know where she is now
If she thinks about me or not
Or not, oh Lord
I wanna give her all my love
My life, my heart
And please her”
 
Dona Nicinha, minha mainha, fã de música baiana e animada toda, adorou àquela composição. Eis que com seu “ouvido treinado”, neste caso, “em prol de si mesmo”, identificou, segundo ela, lá pela 8ª estrofe, que o cantor do Olodum, “Lázaro Negrumy”, chamava por seu nome! 
 
- Como, mãe? Perguntei à época, incrédulo. 
- Ouça, Binho (era assim que ela me chamava em casa), ele fala: “Ai Nice you, dale”!
 
Parei para prestar a atenção com calma e, para minha surpresa, ELA ESTAVA CERTA e desde então lá em casa, “I Miss Her”, passou a ser “a música do Olodum feita para Dona Nicinha”. 
 
Anos mais tarde, quando me arvorei na tentativa de aprender inglês na velha escola Skill de Camaçari, eis que, para minha surpresa, descubro que o verso “Ai Nice you, dale!” era na verdade “I miss you, darling”. Só que como se diz em bom baianês, cante aí e repare, se “I miss you, darling” não soa aos ouvidos como “Ai Nice you, dale”?
 
Mesmo já conhecendo o significado real da letra, eu nunca tive coragem de desfazer da tradução peculiar de Mainha, e quando “Lázaro Negrumy” se transformou em “Irmão Lázaro”, fazendo uma versão em português e gospel da música, Dona Nice reclamou, pois, segundo ela, “seu nome não estava mais lá” (e rimos muito)!
 
“I miss you, darling” significa: “Eu sinto a sua falta, querida”. E como eu sinto, minha Mãe!💗
 

 

SOS Casa da Criança e do Adolescente de Camaçari

No início dos anos 90, a Casa da Criança e do Adolescente de Camaçari (BA), cumpria o papel de ser o elo entre a criança e o jovem da periferia em vulnerabilidade social e as políticas públicas municipais para a juventude, além de intermediar a nossa participação nos programas de aprendizado das empresas do Polo Industrial, dos bancos, do comércio e da própria prefeitura.

Lá, também tínhamos cursos variados, de aprendizagem musical, orientação educacional, marcenaria, pintura, artesanato, dança, além de acompanhamento psicológico e uma infinidade de benefícios, até então inacessíveis aos jovens carentes da cidade.

Para conseguir me inscrever nos programas, todos os dias eu e minha saudosa mãe (sempre ela) íamos lá pessoalmente, literalmente, “atazanar o juízo” dos funcionários da Casa da Criança, ávidos por uma oportunidade de fazer parte daquela maravilha, até que um dia ela veio, primeiro, como mensageiro (ofice-boy) da prefeitura, lotado nas dependências da Secretaria de Esporte e Lazer, que ficava dentro do Estádio Municipal, depois, na forma da seleção para Jovem Aprendiz do Banco do Brasil. Fiz prova de português, matemática, redação, história e conhecimentos gerais, fui aprovado em 2º lugar e em outubro de 1992, minha carteira de trabalho era assinada pela primeira vez na minha vida (sim, o contrato era CLT, com todas as vantagens trabalhistas).

No banco, tínhamos plano de saúde, talão de cheque (te mete! rs), cartão, ticket-alimentação… Era um sonho! Nessa trajetória, tive a honra de partilhar dessa maravilhosa oportunidade com meus até hoje amigos-irmãos Alex Persil, Fábio Nunes, Ana Paula Costa, Valdeci Oliveira e Alcides Silva, fora o grande Nilson Oliveira, único da turma de aprendizes que perdemos o contato após todos esses anos. MUITO OBRIGADO, MEUS AMIGOS! Fizemos também grandes amizades por lá, que honrosamente trouxemos para nossas vidas, até hoje.

Atualmente muito se discute a questão das políticas públicas de inclusão e das cotas e eu tenho orgulho em dizer que foi uma política pública que me alçou ao mercado de trabalho formal e isso fez tão bem, tanto para mim, quanto para os demais, que todos nós fizemos carreira nas mais variadas áreas, com as mais variadas formações, norteados pela oportunidade que nos foi intermediada lá atrás.

Se não fosse a Casa da Criança como instrumento estatal de inclusão social, o que teríamos sido? Eu não sei. Saí do banco aos 17 anos e 10 meses, onde aprendi, entre outras coisas, que para ser servidor efetivo no serviço público, o ingresso só se dava por concurso. Comecei a fazer concurso aos 18 anos e antes dos 19, já estava concursado e empossado em um órgão da administração pública estadual da Bahia, onde fiz carreira e onde estou até hoje.

A Casa da Criança que nos deu régua e compasso, com o passar dos anos, infelizmente foi (e ainda está) praticamente abandonada, mas, eu ainda tenho esperanças de que um dia ela volte a ajudar mais garotos e garotas, como fez comigo e meus amigos, no auge de suas atividades, gerando tão bons frutos!👊🏾